Verdes querem produção alimentar local nas cantinas públicas
Discute-se amanhã, dia 11 de Dezembro, na Assembleia da República, o Projeto de Lei dos Verdes “Preferência pela produção alimentar local nas cantinas públicas”.
Com esta iniciativa legislativa, o PEV propõe que, no mínimo, 60% de produtos alimentares utilizados para confeção das refeições das cantinas públicas sejam obrigatoriamente de origem nacional. Através desta regra – que se aplica às cantinas ou refeitórios dos serviços e organismos da Administração Pública, central, regional e local, bem como dos institutos públicos que revistam natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos - o Estado contribuirá, por via das suas compras públicas, para garantir o escoamento da produção alimentar nacional.
A proposta dos Verdes - discutida amanhã, dia 11 de dezembro, em plenário da Assembleia da República - trará diversas vantagens ao país, tanto de ordem económica, social, ambiental, como cultural e de segurança alimentar, tais como o combate a défice agro-alimentar, a dinamização da economia nacional, a redinamização do setor pesqueiro, o combate ao despovoamento e à desertificação do mundo rural, a preservação da biodiversidade agrícola e o combate às alterações climáticas.
10 de dezembro de 2015
PROJETO
DE LEI N.º 13/XIII/1ª
PREFERÊNCIA
PELA PRODUÇÃO ALIMENTAR LOCAL
NAS
CANTINAS PÚBLICAS
Nota justificativa
A dependência
alimentar do exterior é bastante acentuada no nosso país,
ultrapassando os 70% das necessidades alimentares dos portugueses. A
integração europeia contribuiu significativamente para a extinção
de muitas unidades produtivas agrícolas em Portugal, tornando,
assim, necessária uma maior importação de alimentos, com grave
prejuízo para a nossa balança comercial. A delapidação da nossa
actividade produtiva foi a machadada na nossa fonte de riqueza,
tornando-nos mais permeáveis ao endividamento e à dependência
externa.
Esta situação só
poderá ser invertida com a retoma da produção alimentar nacional e
a dinamização do nosso mercado interno. Uma questão pela qual o
PEV se bate há muito e que implica incentivos sérios à produção
sustentável e ao escoamento dos produtos deles resultantes. Esta
questão depende, de entre outras, de duas variáveis determinantes:
(i) devolução de poder de compra à grande massa do povo português
(através designadamente do desagravamento dos impostos do trabalho e
da reposição de salários e pensões), (ii) criação de condições
para que os produtores, sobretudo os micro e pequenos agricultores,
encontram no mercado interno oportunidades de escoamento dos seus
produtos.
Estes são passos
decisivos para combater o défice, o endividamento e para atenuar a
gravidade de uma situação económica que tem custos sociais
bastante dramáticos. Torna-se, portanto, mais que urgente uma
política económica que assuma como prioridade a redinamização do
nosso sector produtivo, nomeadamente do sector alimentar.
E é justamente no
sector alimentar que o país, com menor esforço, pode redinamizar o
mercado interno e reactivar a economia, gerando emprego, porque temos
recursos naturais, solo, água, mar, clima, infraestruturas dispersas
pelo território (desde adegas, lagares, unidades de indústria
transformadora, portos, docas, mercados, entre tantas outras coisas
que aqui se poderiam enumerar), saber ancestral, a par da inovação
e do empreendedorismo, mão-de-obra qualificada... tudo o que
constitui um potencial extraordinário que tem sido, inqualificável
e inaceitavelmente, desprezado.
A agricultura e as
pescas portuguesas, pilares fundamentais da alimentação, sofreram
impactos negativos de grande amplitude, para os quais não foram
alheias a Política Agrícola Comum e Política Comum de Pescas, ao
nível comunitário, mas também os acordos comercias da OMC
(Organização Mundial do Comércio). O facto é que, nas últimas
décadas, o mercado alimentar nacional foi invadido pelas importações
e os nossos produtos foram em grande medida excluídos e muitos
banidos do mercado.
A agricultura
familiar e a pesca de pequena dimensão sofreram uma destruição
absolutamente inaceitável, que levou quase à liquidação do sector
primário em Portugal, o qual foi durante anos uma base fundamental
de emprego e de ocupação do território. Só para exemplificar, nos
últimos 20 anos desapareceram mais de 300 mil pequenas explorações
agrícolas em Portugal, com graves repercussões para o mundo rural e
para a liquidação de emprego, fomentando exactamente o contrário
daquilo que o país precisava e precisa.
“Os Verdes”
apelam, desde há muito, ao engrandecimento da produção e do
consumo locais, em função das necessidades e da racionalidade de
gestão dos recursos naturais, tendo em conta todos os benefícios de
ordem ambiental, social, económica,
cultural
e de qualidade e segurança alimentares daí decorrentes. O PEV já
lançou, inclusivamente, algumas campanhas específicas sobre a
temática, e desenvolveu iniciativas legislativas tendentes a
contribuir directamente para este objectivo. É justamente a mesma
motivação que nos leva à apresentação do presente Projeto de
Lei.
Pôr o país a
produzir na área alimentar, de modo a garantir uma grande parte da
nossa auto-suficiência é determinante. Não chega apelar aos
consumidores para consumir nacional, é preciso alargar os mecanismos
que venham a garantir o escoamento dos produtos locais,
designadamente assegurando que todos nós, em conjunto, como Estado,
sigamos também esse desígnio. Com efeito, ao Estado compete também
exemplificar e tornar-se modelo de comportamentos e, mais, contribuir
para fomentar o que faz extraordinária falta ao país.
Assim sendo, o
Grupo Parlamentar “Os Verdes” propõe, através do presente
Projecto de Lei, que, no mínimo, 60% de produtos alimentares
utilizados para confecção das refeições das cantinas públicas
sejam obrigatoriamente de origem nacional. Através desta regra, o
Estado contribuirá, por via das suas compras públicas, para
garantir o escoamento da produção alimentar nacional.
As vantagens a retirar da regra agora
proposta pelo PEV são diversas:
-
Ao nível económico trata-se de uma medida que combate o défice agro-alimentar do país, que pode representar, no ano corrente, mais de 4 mil milhões de euros, bem como o défice da nossa balança comercial; para além disso, o Estado contribuirá para dinamizar a economia nacional, sem sobrecarregar o Orçamento de Estado, na medida em que essa despesa já existe, sendo agora convertida para o estímulo à economia nacional; mais, esta medida contribui para nos proteger da volatilidade dos preços dos produtos alimentares nos mercados internacionais.
-
Ao nível social, a concretização desta proposta terá consequências no combate à desertificação rural, pois favorece a manutenção de uma actividade económica que gera emprego, e de uma agricultura familiar que, mesmo sem ter capacidade de exportação, pode garantir o fornecimento de uma parte importante dos produtos básicos à nossa alimentação; para além disso, beneficia igualmente a segurança e a estabilidade dos rendimentos agrícolas. Esta proposta permite ainda redinamizar o sector pesqueiro e combater a pobreza que pesa cada vez mais sobre este sector.
-
Do ponto de vista ambiental, a proposta do PEV tem uma relevância muito significativa, desde logo porque o despovoamento e a desertificação do mundo rural têm graves repercussões ambientais, de todos conhecidas, que seriam contrariados com a dinamização da agricultura; mais, o favorecimento e a preservação da biodiversidade agrícola é também uma evidência, assim como de componentes paisagísticas; mas esta medida é também um contributo para o combate às alterações climáticas e para menores gastos energéticos, uma vez que ao relocalizar o consumo de produtos alimentares, estamos a tornar esse consumo menos dependente de transportes, o que promove menor emissão de gases com efeito de estufa.
-
A segurança alimentar está constantemente a ser posta à prova, e tantas vezes tem falhado com repercussões graves para o mundo, regra geral com origem na produção intensiva de larga escala. A segurança dos alimentos é também um fator que o PEV tem em conta com este Projeto de Lei - o facto é que a agricultura familiar e a produção alimentar de proximidade tem dado provas de apresentar um grau de segurança superior e de garantir uma qualidade no produto muito superior, sendo até mesmo muito mais fácil o controlo de situações de risco para a saúde pública, em caso de falhas.
-
Não seria justo elencar um conjunto de vantagens resultantes da concretização deste Projecto de Lei sem fazer referência ao vasto património cultural, nomeadamente gastronómico, que esta produção alimentar de proximidade gerou ao longo do tempo e que continua a gerar. Este é também um pilar de dinamização da economia local e regional, através do interesse turístico que gera.
Estas são apenas algumas das
consequências desejáveis, advenientes do contributo que a proposta
do PEV pode dar, caso seja implementada em Portugal. Pôr as cantinas
públicas a consumir local, contribuindo para a dinamização da
agricultura de pequena escala, da pesca e para a sustentabilidade das
empresas transformadoras, relocalizando o consumo alimentar é um
contributo extraordinariamente positivo, especialmente no momento que
Portugal atravessa.
Esta lógica de
consumo de origem local, com o objectivo de dinamização das
economias locais, tem já precedentes de sucesso noutros países,
como em Itália e no Brasil, onde estão traçadas regras de consumo
de produções locais, regionais e nacionais com origem em
actividades produtivas de pequena escala que garantem melhor
qualidade alimentar em cantinas públicas.
Importa também
salientar de que cantinas estamos a falar, para aplicação do
princípio “consumir local”: estamos a tratar de todas as
cantinas e refeitórios públicos, sejam eles escolares no âmbito do
ensino obrigatório, sejam eles do sistema de acção social escolar
do ensino superior, sejam de estabelecimentos prisionais, sejam de
unidades hospitalares, sejam de serviços sociais da Administração,
em suma, a ideia é abranger todas as cantinas e refeitórios dos
serviços e organismos da Administração pública, central, regional
ou local, bem como dos institutos públicos que revistam natureza de
serviços personalizados ou de fundos públicos.
Assim, com os
objetivos acima traçados, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresentam,
ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis,
o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objecto
O presente diploma
determina a utilização de, pelo menos, 60% de produtos alimentares
de origem local nas cantinas públicas, com vista à dinamização da
produção local, com todos os benefícios associados de ordem
ambiental, social e económica.
Artigo 2º
Âmbito
A regra determinada
no artigo anterior aplica-se às cantinas ou refeitórios dos
serviços e organismos da Administração Pública, central, regional
e local, bem como dos institutos públicos que revistam natureza de
serviços personalizados ou de fundos públicos.
Artigo 3º
Princípios
1.Na aquisição de
bens alimentares para confeção de refeições nas cantinas públicas
dá-se preferência aos produzidos na região de implantação da
respetiva unidade de restauração e, se o fornecimento não for
possível, dá-se preferência a produtos alimentares produzidos no
país.
2. A
impossibilidade de fornecimento à escala traçada no número
anterior deve ser devidamente sustentada, por método a definir pelo
Governo.
3. A aquisição de produtos
alimentares em cantinas públicas tem em conta a diversificação e o
equilíbrio das dietas alimentares.
4. Por produção
regional ou nacional entendem-se os bens alimentares que tenham sido
produzidos, em todas as suas fases de produção, na escala de
circunscrição territorial respetiva.
Artigo 4º
Percentagem
A percentagem
referida no artigo 1º do presente diploma é aferida em função dos
montantes despendidos na aquisição dos produtos alimentares por
unidade de cantina.
Artigo 5º
Fiscalização
A fiscalização do cumprimento do
estabelecido no presente diploma compete à Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica.
Artigo 6º
Relatório anual
Com o objectivo de
conhecer e tornar público os efeitos sobre as economias locais da
aplicação do presente diploma, o Governo elabora um relatório
anual que relate o comportamento da totalidade das cantinas públicas
em cumprimento das regras determinadas na presente lei.
Artigo 7º
Regulamentação
A regulamentação do presente diploma
é feita pelo Governo no prazo de 100 dias.
Artigo 8º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor 60
dias após a sua publicação.
Assembleia da
República, Palácio de S. Bento, 3 de novembro de 2015
Os Deputados
Heloísa
Apolónia José Luís Ferreira
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